Por Jefferson Souza
Nesta oportunidade traremos em breve síntese pontos relevantes sobre a publicação da Lei Complementar 175/20 que traz mudanças sobre o local de recolhimento do ISS incidente sobre determinados serviços.
Convém, no entanto, para melhor compreensão do assunto, reportar alguns acontecimentos que ocorreram em um passado não tão distante.
O Projeto de Lei Complementar 366/2013 deu origem a LC 157/2016 que tratou de modificar o local de recolhimento do ISS para os serviços de planos de saúde, administração de cartões de crédito e débito, de fundos quaisquer e de consórcios, arrendamento mercantil – leasing, bem como os serviços de agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (factoring).
A justificativa principal do legislador para tal mudança dizia respeito a redistribuir o ISS aos diversos municípios onde se encontram os mais variados tomadores.
Nesse caso a Lei veio a agir como um velho conhecido herói mítico inglês (Robin Hood) que “roubava” dinheiro da nobreza e os transferia aos mais pobres. Nesse caso a “nobreza” seria os maiores municípios (capitais) que recebem o ISS de grandes empresas estabelecidas em seus territórios e os “pobres” seriam os demais municípios que possuem poucas empresas estabelecidas e um numero diminuto de habitantes, portanto, com baixa arrecadação tributária, que é o cenário da maioria dos municípios do nosso País.
Em segundo plano, em coordenação com o objetivo anterior mencionado, a LC passava também a fundamentar a tributação como base no consumo, ou seja, aonde o serviço efetivamente acontecia, deixando de lado, nesse caso, fora do alcance da tributação o local onde meramente está estabelecido o prestador.
Em que pese à boa intenção do legislador, faltou-lhe argúcia para entender as perspectivas de impacto trazidas pela LC 157/2016. Em um País com dimensões continentais e com mais de cinco mil municípios, seria quase inviável (operacionalmente) aos contribuintes pagar o ISS a cada serviço prestado no município de consumo.
Outro ponto, não menos importante, diz respeito de como o legislador não foi claro ao estabelecer o conceito de “tomador de serviços”, o que poderia trazer a não observância efetiva da incidência tributaria e ainda causar insegurança jurídica e eventual possibilidade de dupla tributação.
Dentro desse contexto, a Consif e CNSeg impetraram uma ADI (5835), ao qual teve sua liminar concedida em março de 2018 pelo ministro Alexandre de Moraes. Nela o ministro entendeu que foi evidenciado o possível conflitos de competência entre Municípios e a afronta ao princípio constitucional da segurança jurídica, em face das inúmeras dificuldades que seriam enfrentadas na aplicação da nova lei complementar.
Em virtude dessa decisão, a eficácia da LC 157/2016 foi suspensa, bem como também (por arrastamento) toda legislação municipal que porventura foi editada para atender a lei federal.
Pois bem. Como forma de operacionalizar os pontos controvertidos da LC 157/2016, foi publicada recentemente a Lei Complementar 175/20.
Abaixo apontaremos alguns pontos que achamos relevantes bem como breves comentários a seu respeito. Lembrando que nesse primeiro momento abordaremos os aspectos gerais da nova Lei, não adentrando no mérito de possíveis ilegalidades ou inconstitucionalidades, ou se a mesma resolverá as inconsistências apontadas na ADI 5835.
Porque foi criado um comitê?
Conforme abordamos inicialmente, existem mais de 5 mil municípios no Brasil sendo inviável que o contribuinte perpasse por todas as legislações e alíquotas municipais e faça cumprir a redação da nova LC.
Em face disso, será criado um sistema eletrônico padronizado, ao qual terá os seus leiautes, o acesso, e a forma de fornecimento das informações definidos pelo Comitê Gestor de Obrigações Acessórias.
A ideia é convergir as obrigações acessórias dos municípios para um denominador comum e disponível em um mesmo lugar, facilitando assim a vida contribuinte na hora de declara e pagar o ISS referente aos serviços de planos de saúde (4.22, 4.23 e 5.09), administração de cartões de crédito e débito, de fundos quaisquer e de consórcios (15.01) e arrendamento mercantil.
Sim, na lista prevista na LC 157/16 incluía o serviço de código 10.04 – Agenciamento, corretagem ou intermediação de contratos de arrendamento mercantil (leasing), de franquia (franchising) e de faturização (factoring). Porém o mesmo foi retirado pelo novo texto da LC 175/20.
Seguindo esse contexto, foi revogado também o § 3º do art. 6º da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 (incluído pela LC 157/16) que estabelecia que no caso dos serviços descritos nos subitens 10.04 e 15.09, o valor do imposto seria devido ao Município declarado como domicílio tributário da pessoa jurídica ou física tomadora do serviço, conforme informação prestada por este.
Parece-nos que neste ponto o legislador não conseguiu de forma exitosa um critério apropriado que pudesse estabelecer o fornecimento de informações com vistas a cobrança do imposto para aquele tipo de serviço e preferiu excluí-lo da lista.
Com as alterações introduzidas pela LC 175/20, considera-se tomador dos serviços referidos nos incisos XXIII, XXIV e XXV do caput do art. 3º da LC 116/03, o contratante do serviço e, no caso de negócio jurídico que envolva estipulação em favor de unidade da pessoa jurídica contratante, a unidade em favor da qual o serviço foi estipulado, sendo irrelevantes para caracterizá-la as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.
Nota-se que o legislador utilizou o mesmo texto do art. 4º da Lei 116/03, no que concerne a irrelevância na unidade da pessoa jurídica (denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas).
Assim pressupomos, portanto, que o conceito de tomador deve ser amoldado ao texto do art. 4º da Lei 116/03 no que diz respeito ao critério da unidade econômica ou profissional.
(§ 5º do art. 3º da LC 116/03)
Neste caso o tomador do serviço é a pessoa física beneficiária vinculada à operadora por meio de convênio ou contrato de plano de saúde individual, familiar, coletivo empresarial ou coletivo por adesão.
Nesta hipótese não importa quantos titulares existe no plano, nem a localidade de cada um, pois será sempre considerado o domicílio do titular para fins de recolhimento do ISS.
(§ 6º e 7º do art. 3º da LC 116/03)
Será considerado como tomador de serviços prestados diretamente aos portadores de cartões de crédito ou débito e congêneres, o tomador considerado o primeiro titular do cartão.
Entendemos que o primeiro titular refere ao titular principal do referido cartão.
Referente às transferências realizadas por meio de cartão de crédito ou débito, ou a eles conexos, que sejam prestados ao tomador, direta ou indiretamente, por bandeiras, credenciadoras e emissoras de cartões de crédito e débito, o local do estabelecimento credenciado será considerado o domicílio do tomador.
(§ 8º e 9º do art. 3º da LC 116/03)
Considerando que um fundo de investimento nada mais é que a reunião de diversas pessoas ou “cotistas” que levantam recursos com objetivo de obter renda, neste caso o tomador é o próprio cotista.
(§ 10º do art. 3º da LC 116/03)
De igual sorte do referido no tópico anterior (6), o tomador de serviço é o consorciado já que grupo de consórcio não é uma entidade propriamente dita, já que ela surge da reunião de varias pessoas, não possuindo assim domicilio.
(§ 11º do art. 3º da LC 116/03)
O tomador do serviço, nesta hipótese, é o arrendatário, pessoa física ou a unidade beneficiária da pessoa jurídica, domiciliado no País, e, no caso de arrendatário não domiciliado no País, o tomador é o beneficiário do serviço no País.
No caso de arrendatário não domiciliado no País, o legislador viu, por obvio, a necessidade de abarcar as hipóteses em que o contratante do arrendamento estiver situado fora do País, mas os serviços são executados dentro do Brasil.
(§ 12º do art. 3º da LC 116/03)
O ISS deverá ser pago, de acordo com a nova LC, até o 15º (décimo quinto) dia do mês subsequente ao de ocorrência dos fatos geradores, ao domicílio bancário informado pelos Municípios e pelo Distrito Federal.
Na hipótese de não haver expediente bancário no 15º dia do mês subsequente ao de ocorrência dos fatos geradores, o vencimento do ISSQN será antecipado para o 1º dia anterior com expediente bancário.
(Art. 7º da LC 175/20)
Para os serviços 4.22, 4.23, 5.09, a critério de cada município, pode ser exigida a emissão de documentos fiscais, porem estão dispensados da emissão os serviços 15.01 e 15.09.
(Art. 6º da LC 175/20)
No mais, é oportuno destacar que o artigo 1º da LC 157/16 continua suspenso (até a edição deste artigo) em face da liminar concedida na ADI 5835.
Como a LC 175/20 veio para regulamentar pontos desconexos da LC 157/16, não faz qualquer sentido, ao nosso sentir, a LC 175/20 passar a produzir efeitos conquanto exista uma ADI que trata basicamente da mesma matéria.
Fonte: https://tributario.com.br/jefferson-souza/comentarios-acerca-das-mudancas-no-recolhimento-do-iss-lc-175-20/