O processo administrativo tributário federal é regido pelo Decreto nº 70.235/72 com força de lei em sentido estrito.
Aplicam-se, também, as normas da Lei nº 8.748/93 que prescreve normas gerais aplicáveis aos processos administrativos na esfera da União, incorporando os preceitos constitucionais pertinentes.
O procedimento fiscal tem início: a) com o primeiro ato de ofício praticado pelo serviço público competente; b) apreensão de mercadorias; ou c) o começo de despacho aduaneiro, conforme prescreve o art. 7º do citado Decreto nº 70.235/72.
Lavrado o auto de infração e feita a notificação do lançamento ao sujeito passivo, este tem o prazo de 30 dias para apresentar impugnação ou defesa que será julgada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento da área competente.
Da decisão desse órgão caberá recurso ordinário, no prazo de 30 dias, para o CARF, órgão colegiado de 2ª instância diretamente vinculada à estrutura do Ministério da Economia, tal qual a própria Secretaria da Receita Federal, pelo que as instruções normativas baixadas pela referida Secretaria não vincula as decisões do CARF.
Excepcionalmente, cabe recurso especial à Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF-, no prazo de 15 dias, sempre que a decisão der à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, turma de Câmara, turma especial ou a própria CSRF (art. 37, § 2º, II).
Esse recurso especial depende, pois, da invocação de um precedente em sentido contrário.
O processo administrativo tributário, apesar da tendência de aproximação com processo judicial, guarda peculiaridades inexistentes nos processos em curso perante o Poder Judiciário.
Refiro-me ao princípio da verdade material vigente no processo administrativo, que afasta as costumeiras filigranas jurídicas utilizadas no âmbito do Judiciário para contornar o exame do mérito.
Conforme prescrição do art. 4º da Lei nº 9.784/99, o contribuinte deve expor os fatos conforme a verdade; proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé; não agir com temeridade; e prestar esclarecimento que lhe forem solicitados, colaborando para o perfeito esclarecimento dos fatos.
Por outro lado, cabe à administração pública obedecer, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência, conforme prescrição do art. 2º da citada Lei.
Daí a atuação do princípio da verdade material consoante indiscrepante pronunciamento doutrinário.
Versando sobre esse princípio Odete Medauar esclarece que:
O princípio da verdade material ou verdade real, que tangencia o princípio da oficialidade, exprime que a Administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a visão oferecida pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações e documentos atinentes a matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos considerados pelos sujeitos. Assim, no tocante as provas, desde que obtidas por meios lícitos (como impõe o inciso LVI do art. 5º da CF), a Administração detém liberdade plena de produzi-las.[1]
Sobre o assunto Celso Antonio Bandeira de Mello preleciona:
O princípio da verdade material consiste em que a administração, ao invés de ficar adstrita ao que as partes demonstrem no procedimento, deve buscar aquilo que é realmente verdade, com prescindência do que os interessados hajam alegado e provado, como bem diz Hector Jorge Escola. Nada importa, pois, que a parte aceite como verdadeiro algo que não o é ou que negue a veracidade do que é, pois no procedimento administrativo, independentemente do que haja sido aportado aos autos pela parte ou pelas partes, a administração deve sempre buscar a verdade substancial.[2]
Na mesma linha ensina Hely Lopes Meirelles:
O princípio da verdade material, também denominado de liberdade de prova, autoriza a administração a valer-se de qualquer prova que a autoridade julgadora ou processante tenha conhecimento, desde que a faça trasladar para o processo. É a busca da verdade material em contraste com a verdade formal. Enquanto nos processos judiciais o juiz deve cingir-se às provas indicadas no seu devido tempo pelas partes, no processo administrativo a autoridade processante ou julgadora pode, até o julgamento final, conhecer de novas provas, ainda que produzidas em outro processo ou decorrentes de fatos supervenientes que comprovem as alegações em tela.[3]
Feitos esses esclarecimentos já podemos ferir o tema do artigo. Pode o Judiciário interferir na função de julgar dos agentes administrativos competentes? O princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CF) autoriza o Judiciário interferir no contencioso administrativo para orientar ou reorientar os rumos do processo?
Parece-nos que não! A universalização da jurisdição apenas assegura ao prejudicado pela decisão administrativa sob o efeito de coisa julgada administrativa buscar a invalidação daquela decisão perante a instância judiciária.
Pode quando muito, em casos especialíssimos, quando patente o vicio de forma descambando para a ilegalidade, haver a intervenção judicial para evitar que o processo prossiga com os vícios de nulidade. A hipótese se assemelha à impugnação judicial de em projeto legislativo em tramitação no Congresso Nacional sem observância do processo legislativo previsto na Constituição e nos Regimentos |Internos das Casas Legislativas.
Como se sabe, o CARF está impedido de prosseguir no julgamento naquele processo que envolve cifras bilionárias a título de IRPJ e CSLL exigidos pelo fisco na operação de fusão do Banco Itaú com o Unibanco.
A Fazenda Nacional, vencida por maioria de votos em segunda instância, impetrou o recurso especial perante a CSRF apresentando um precedente em sentido contrário.
O contribuinte lançou mão de um inusitado procedimento judicial, batendo-se pela tese da inidoneidade e inaplicabilidade ao caso daquele precedente invocado pela Fazenda.
Houve concessão da liminar nos idos de 2018 e até hoje o TRF1, onde o mandamus foi ajuizado não decidiu o mérito, mantendo o travado o processo administrativo tributário.
A inidoneidade do procedimento judicial nos parece clara.
O princípio da separação dos Poderes não permite ao Judiciário interferir no ato de julgar pela instância administrativa. Poderá, quando provocado, invalidar a decisão administrativa revestida de coisa julgada administrativa, mas, não poderá direcionar o julgamento fazendo cotejo da decisão administrativa recorrida com o precedente invocado, para autorizar o não conhecimento do recurso especial. Isso acontecendo o juiz togado estaria substituindo o agente administrativo investido na função de julgar.
O princípio da jurisdição una, não afasta, nem invalida a existência de órgãos administrativos incumbidos da função de julgar com autonomia e independência, revestindo suas decisões definitivas de coisa julgada administrativa, isto é, vinculando os demais órgãos do Estado, o que envolve os órgãos administrativos de cobrança de créditos tributários.
No caso mencionado o cotejo do precedente invocado, com a decisão recorrida para constatar pontos de convergência e de eventuais pontos de divergência somente cabe ao órgão administrativo julgador que proferiu a decisão paradigma, à luz de critérios próprios que informam o julgamento de processos administrativos, submetidos ao princípio da verdade material.
[1] “Processo Administrativo – Aspectos Atuais” – obra coletiva – coordenada por Odete Medauar – São Paulo: Cultura Paulista Editora, 1998 – p. 21.
[2] “Curso de Direito Administrativo” – 8. ed. – São Paulo: Ed. Malheiros, 1996 – p. 306.
[3] “Direito Administrativo Brasileiro” – 16. ed. – 2ª tir. – São Paulo: RT, 1991 – p. 581.
Fonte: https://tributario.com.br/harada/processo-administrativo-tributario-e-intervencao-judicial/?logged_in=1