
A reforma tributária e o impacto no Simples Nacional
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28 de março de 2025Além do ponto de fiscalidade, o tributo pode ser com outra função, já que “a principal finalidade de muitos tributos (que continuarão a seguir pela progressiva transfiguração dos tributos de finalismo clássico ou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada”[1], ou em outras palavras, “utilização instrumental da norma jurídica tributaria com o objetivo primário de direcionar o comportamento dos cidadãos”[2], sendo esta outra função do tributo denominada pela doutrina como extrafiscalidade.
Pois bem. A tributação no Brasil sempre teve uma função que vai além da arrecadação de recursos, historicamente, o Estado utiliza mecanismos extrafiscais para impulsionar o crescimento econômico, corrigir desigualdades regionais e incentivar setores estratégicos, modelo esse que vem sendo aplicado por meio de benefícios fiscais, isenções e regimes especiais, buscando fortalecer áreas como a indústria, o agronegócio, a inovação tecnológica e as energias renováveis.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132/2023, que promove uma ampla reforma tributária, o papel da extrafiscalidade passa por uma mudança profunda, em que, a substituição de tributos como ICMS, ISS, PIS e Cofins pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) altera significativamente a forma como incentivos fiscais serão concedidos, até então, estados e municípios tinham autonomia para estabelecer políticas de estímulo econômico através de benefícios tributários, mas agora, no novo modelo, esses incentivos dependerão de regulamentação específica e da criação de fundos regionais, limitando a liberdade dos entes federativos na formulação de estratégias próprias de desenvolvimento.
A principal justificativa para essa mudança é o fim da chamada guerra fiscal, que por décadas gerou um cenário de concorrência desordenada entre estados e municípios na tentativa de atrair empresas por meio de incentivos tributários, onde muitas vezes, essa disputa resultava em concessões de benefícios sem um planejamento adequado, sem garantia de retorno econômico e com impactos negativos para o equilíbrio federativo. A centralização da concessão de incentivos fiscais busca corrigir essas distorções e tornar o sistema tributário mais eficiente e justo, entretanto, há incertezas sobre a gestão e o funcionamento dos fundos regionais, e se porventura o acesso a esses recursos for burocrático ou pouco transparente, há o risco de prejudicar estados que dependiam desses mecanismos para estimular o crescimento local.
Além da reestruturação dos benefícios regionais, a reforma introduz o cashback tributário, um mecanismo voltado à devolução de parte dos tributos pagos por consumidores de baixa renda, medida que tem o objetivo de reduzir a carga tributária sobre as famílias mais vulneráveis, mitigando o impacto regressivo dos impostos sobre o consumo. No entanto, para que esse mecanismo seja eficaz, é essencial que sua implementação seja descomplicada e acessível, caso contrário, a proposta pode perder sua efetividade e não alcançar os resultados esperados na redução da desigualdade fiscal.
A transição para o novo modelo tributário também representa desafios para setores econômicos que historicamente contaram com regimes especiais de tributação – Indústria, agronegócio e tecnologia são segmentos que sempre tiveram acesso a benefícios fiscais para estimular sua competitividade no mercado, e com a reforma, as empresas que antes se beneficiavam desses incentivos precisarão se adaptar a um novo contexto, no qual as vantagens dependerão das regras dos fundos regionais e da regulamentação federal. Se as diretrizes não forem bem estruturadas, há o risco de que algumas empresas percam competitividade e busquem realocar suas operações para países que ofereçam um ambiente tributário mais favorável.
Além do impacto sobre as empresas, a extrafiscalidade continuará sendo um instrumento essencial para o incentivo à inovação e ao avanço tecnológico, sendo fundamental para que o Brasil se posicione de forma competitiva no cenário global, que incentivos fiscais sejam direcionados para setores estratégicos, como inteligência artificial, biotecnologia, energias renováveis e infraestrutura digital. Entretanto, é crucial que esses incentivos estejam atrelados a metas concretas de crescimento tecnológico e geração de empregos qualificados, de outra forma, o risco é que esses benefícios sejam concedidos sem um impacto real no desenvolvimento econômico do país.
Como se verifica, exigirá um grande esforço de adaptação por parte das empresas para a implementação do novo sistema tributário, sabendo que a mudança para o modelo de IVA dual não será apenas uma substituição de tributos, mas uma modificação que impactará a contabilidade, a formação de preços e a organização dos setores de produção, podendo a vir ter dificuldades as pequenas e médias empresas, tornando importante e indispensável suporte técnico por parte do governo, sendo que, em vez de simplificar, não haja novos obstáculos operacionais para os contribuintes.
Por fim, como ensina PAIVA, “a Constituição Federal expressamente reconhece e emprega a extrafiscalidade, quer a estimuladora, quer a desestimuladora, como instrumento de consecução de metas do Estado de Direito, Democrático e Social [3], portanto, a extrafiscalidade continuará sendo um instrumento importantíssimo para motivar políticas públicas, desde que seja utilizada de forma objetiva e com critérios, para que se promova o desenvolvimento econômico sem comprometer a arrecadação nem abrir margem para distorções no sistema, estando presente uma oportunidade histórica de corrigir falhas e estabelecer um modelo tributário mais justo e equilibrado.
[1] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 5. ed. São Paulo: Noeses, 2010. p. 629
[2] PAIVA, Leila. Disciplina jurídica da extrafiscalidade. Dissertação de mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo. 1994. p. 20
[3] PAIVA, Leila. Op. cit. 42 e ss.
FONTE: TRIBUTARIO.COM.BR




