
Restituição do IBS e da CBS por pagamento indevido ou a maior na reforma tributária
10 de abril de 2025
Receita impulsiona arrecadação com obrigações tributarias de cartórios
31 de julho de 2025A Emenda Constitucional nº 132/2023 marca uma virada paradigmática no sistema tributário brasileiro ao instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), suprimindo tributos fragmentados e complexos como ICMS, ISS, PIS e COFINS. Se, por um lado, a proposta pretende simplificar e racionalizar a tributação sobre o consumo, por outro, introduz um desafio jurídico considerável: a reconfiguração do contencioso tributário no país. A dualidade de competências administrativas e judiciais entre União, estados e municípios, especialmente em relação ao IBS, revela uma zona cinzenta que ameaça comprometer os ganhos esperados de segurança jurídica e eficiência.
A nova estrutura do IBS, gerida por um Comitê Gestor composto por representantes de todos os entes federativos (art. 156-B da CF), rompe com o modelo tradicional de titularidade exclusiva de tributos. Trata-se de um tributo cuja arrecadação e fiscalização são compartilhadas, sem que haja um sujeito ativo único — elemento antes essencial à definição da competência jurisdicional. Isso impõe uma ruptura com o critério tradicional utilizado para determinar o juízo competente, fundamentado no art. 109, I, da Constituição, que vincula a Justiça Federal aos tributos federais e a Justiça Estadual aos demais entes federados. No caso da CBS, de competência federal, a manutenção da jurisdição federal é intuitiva; contudo, o IBS, por sua natureza cooperada, não se encaixa diretamente nesse esquema binário.
Essa indefinição tem impactos práticos severos. O mesmo fato gerador pode ser objeto de discussões judiciais em diferentes esferas jurisdicionais, com decisões potencialmente contraditórias. Ainda que o art. 105, I, “j”, da Constituição, atribua ao STJ a competência para dirimir conflitos entre entes federativos, essa prerrogativa não resolve o impasse sobre qual juízo deve processar e julgar ações individuais de contribuintes que questionem exigências relacionadas ao IBS.
Mais grave é o risco de multiplicação de litígios e o enfraquecimento da previsibilidade jurisprudencial. Um contribuinte poderá ser autuado, por exemplo, pela União com base na CBS e pelo Comitê Gestor com base no IBS por fatos geradores idênticos. Isso o obrigará a litigar em processos paralelos, com prazos e ritos distintos, em foros diversos, o que compromete os princípios constitucionais da economia processual e da isonomia. A criação de dois contenciosos administrativos autônomos — CARF para a CBS e Comitê Gestor do IBS — corrobora essa fragmentação institucional, especialmente porque não há mecanismo claro e vinculante de uniformização decisória entre os dois órgãos.
Algumas soluções vêm sendo sugeridas, como a criação de uma Justiça especializada para tributos sobre o consumo, ou a unificação das instâncias administrativas em um tribunal híbrido para CBS e IBS. No entanto, essas medidas exigiriam reformas constitucionais adicionais, cuja viabilidade política é incerta. O PLP 108/2024 propõe a criação de um Comitê de Harmonização das Administrações Tributárias, mas ainda de forma embrionária e sem poder decisório vinculante.
O Superior Tribunal de Justiça já sinalizou preocupação com a possibilidade de aumento da litigiosidade, ao invés da sua redução. O próprio Conselho Nacional de Justiça, por meio da Portaria CNJ 96/2025, instituiu grupo de trabalho para debater propostas de reforma processual tributária, o que evidencia a gravidade da indefinição vigente. A necessidade de se garantir segurança jurídica exige mais do que boas intenções constitucionais: demanda mecanismos concretos de coordenação jurisdicional, integração procedimental e competência clara.
Portanto, a estrutura cooperativa do IBS, embora virtuosa em tese, se mostra perigosa na prática se não for acompanhada de medidas institucionais que garantam sua operacionalização coerente. A convivência entre diferentes órgãos julgadores para tributos similares, sem integração normativa robusta, pode tornar o contencioso ainda mais oneroso e incerto do que no modelo anterior. A reforma prometeu simplificação; sua execução, no entanto, corre o risco de reencenar a velha armadilha do emaranhado tributário, agora sob nova roupagem constitucional.
Referências
OLIVEIRA, Júlio M. de; MELO, Eduardo Amirabile de. Desafios da reforma para o contencioso tributário. JOTA, 2025. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/desafios-da-reforma-para-o-contencioso-tributario.
OLIVEIRA, Karina de. Um contencioso com dois donos: Quem vai julgar o IBS? Migalhas, 2025. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/431429/um-contencioso-com-dois-donos-quem-vai-julgar-o-ibs.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Atualizada pela Emenda Constitucional nº 132/2023.
BRASIL. Projeto de Lei Complementar nº 108, de 2024. Institui normas gerais relativas ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Disponível em: https://www.planalto.gov.br.
Fonte: Tributarionet




