PLANTÃO FISCAL
A COBRANÇA DE TAXA DE ALVARÁ COM A MP 881/2019
Maro Anderson Martins Pereira
Auditor Fiscal do Município de Santarém – Setembro de 2019.Desde a edição da Medida Provisória 881/2019 – que acaba de ser convertida em lei ordinária, com a sanção pelo Presidente da República da lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, a qual instituiu a chamada Declaração de Direitos de Liberdade Econômica –, vários artigos foram escritos acerca do tema, sendo que muita tinta foi gasta por aqueles que se esforçaram para tentar explicar (ou mesmo compreender) as mudanças trazidas por esse novo regramento legal. No entanto, quase nada foi dito com relação à cobrança ou não de taxas pelos Municípios diante da ausência de necessidade de liberação de licença para atividades consideradas de baixo risco, que foi justamente uma das principais regras introduzidas pela MP 881 voltadas ao processo de abertura e ao funcionamento das empresas. Nesse sentido, algumas reflexões podem surgir.
Detenhamo-nos nestas duas: A nova regra introduzida pela MP 881 não fere a autonomia dos Municípios, sendo, portanto, inconstitucional? Seria legítima a exigência da taxa relativa ao alvará de funcionamento mesmo quando não há necessidade da concessão da licença municipal para funcionar? Apesar de reconhecer que há forte argumentação feita por autoridades no assunto no sentido da inconstitucionalidade da norma, entendo que a União, longe de invadir a competência dos demais entes federativos, outra coisa não fez que não legislar sobre normas gerais de direito econômico, valendo-se da previsão contida no § 1º e no caput do art. 24 da Carta Republicana, vinculando as três esferas de governo (federal, estadual e municipal), num típico federalismo à brasileira, diferente do modelo clássico conhecido em outras nações. Também não se sustenta a alegação de inconstitucionalidade do novel diploma legal sob o argumento de que a União, ao impor a dispensa de licenças para a abertura de empresas ou o funcionamento de atividades econômicas de baixo risco, acabou por limitar a competência tributária dos Municípios quanto à cobrança de taxas em função do poder de polícia dos órgãos municipais de fiscalização e licenciamento.
Contra esse pensamento, podemos invocar o entendimento exarado no parecer do deputado federal Jerônimo Goergen, relator da MP 881, que, ao analisar a compatibilidade e a adequação orçamentária e financeira da proposta, justificou que a medida, ao “assegurar aos particulares maior liberdade, poupa o Estado de despender, seus parcos recursos, com atos públicos de liberação de atividades de baixo risco. Sua aplicação leva, assim, até mesmo à economia de recursos públicos.” O entendimento do relator – com o qual concordamos – coaduna-se com a natureza contraprestacional apresentada pelas taxas, que – ao contrário dos impostos – somente dão ensejo à cobrança se existir uma atuação estatal (prestação de serviço público ou poder de polícia) em prol do sujeito passivo da exação, como ocorre no caso da expedição do alvará de funcionamento anual às empresas, que remuneram (contraprestação) a municipalidade pelo dispêndio sofrido por esta com a emissão do documento. Ademais, nos termos do art. 3º, § 1º (incisos I a III) da mencionada lei nº 13.874/2019, cabe aos próprios Municípios a definição das atividades que devam ser consideradas como sendo de baixo risco, ficando tal tarefa a cargo da União somente na hipótese de ausência de norma municipal nesse sentido. Logo, em não havendo justo pressuposto para a realização do ato público (concessão da licença), devido o baixo risco da atividade econômica, não haverá justificativa para a exigência da correspondente taxa, pois a atividade estatal é uma conditio sine qua non para a cobrança do tributo. Também se mostra improcedente a afirmação de que a introdução de normas gerais de direito econômico por meio de lei editada pela União, criando regra que dispense a emissão de licença para atividades de baixo risco, viola o Texto Maior por limitar a competência tributária dos Municípios. Ora, como é consabido, o direito tributário é um direito de sobreposição, na medida em que utiliza conceitos e institutos dos outros ramos da ciência jurídica, como o direito civil, o direito empresarial e o direito econômico.
Assim sendo, não há problemas de ordem jurídica em limitar a competência tributária municipal com a veiculação de normas gerais de direito econômico (art. 24, I e § 1º, CF/88), dada a natureza sobreposta do direito tributário em relação aos demais campos da ciência jurídica. Se assim o fosse, o legislador civil igualmente estaria, por exemplo, proibido de alterar o conceito de propriedade ou a definição de imóvel, visto que isso poderia implicar tanto na restrição como na ampliação da competência tributária dos entes que arrecadam os impostos como o IPTU, o ITR ou o ITBI. Com efeito, o critério constitucional que norteia a distribuição da competência tributária atinente às taxas está diretamente relacionado às atribuições político-administrativas dos entes federativos, de forma que, se determinada atividade não estiver compreendida no âmbito das funções estatais – como é o caso das atividades classificadas como de baixo risco, que não mais se sujeitam ao controle dos órgãos públicos –, não haverá justo motivo para a cobrança de exação, pois não houve atuação por parte do Estado. Nesse sentido, dispõe o Código Tributário Nacional: Art. 80.
Para efeito de instituição e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, aquelas que, segundo a Constituição Federal, as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público. Por todo o exposto, pode-se concluir pela constitucionalidade da lei nº 13.874/2019, na parte em que esta cria regras para que os entes estatais (incluindo aí os municípios) estejam impedidos de exigir licenças para a abertura e o funcionamento de atividades consideradas de baixo risco, ficando proibida, também e consequentemente, a cobrança de quaisquer taxas relativas à vistoria, fiscalização ou licenciamento dessas atividades.